27/11/2011

Heróis do Mar

Um “sarilho institucional” marcou, há 30 anos, o início da carreira dos Heróis do Mar, mas com “Amor” e “Paixão” o grupo acabou por cair nas graças de um país onde “tudo era tabu”.

Em 1981, cinco jovens portugueses formaram uma banda pop-rock e adoptaram um visual de estilo militar onde figurava a cruz de Cristo. As letras das músicas que cantavam glorificavam a pátria.

Isso foi o suficiente para que Paulo Pedro Gonçalves (guitarra), Carlos Maria Trindade (teclas), Tozé Almeida (bateria), Pedro Ayres Magalhães (baixo) e Rui Pregal da Cunha (voz) fossem acusados de um nacionalismo exacerbado.

Mas eles só queriam ser “um grupo de teatro musical”, numa época “bastante diferente em que tudo era tabu e o que não fosse o programa do sistema político era vilipendiado”, disse Pedro Ayres Magalhães em entrevista à agência Lusa.

“O que estávamos a fazer não tinha nada de especial. Queríamos ser um grupo de teatro musical. Queríamos representar e essa representação não era entendida pela cultura da época senão dentro de um teatro”, recordou.

Rui Pregal da Cunha acredita que se fosse hoje não aconteceria o mesmo.

“As pessoas hoje são mais ‘blasé’. Os portugueses eram muito infantis na altura. Uns gajos assim vestidos no ‘Passeio dos Alegres’ [programa de televisão] fazia-lhes muita confusão”, disse à Lusa.

Os músicos recordam o tempo em que “não se podia tocar guitarras eléctricas, porque eram instrumentos americanos” e “era mau beber Coca-Cola, porque era contra a sociedade portuguesa”.

“Nós queríamos ter impacto e fazer uma coisa importante para nós, para a nossa geração e para o nosso país. Estávamos a afrontar limites e a reclamar o direito de tocar guitarra eléctrica, mas não tocar música americana, de beber Coca-Cola mas também beber Sumol, de dançar, ter sentimentos. Tudo isso estava relegado para dentro das paredes das casas”, referiu Pedro Ayres Magalhães.

O “sarilho institucional”, como lhe chama o músico, aconteceu com a saída do primeiro álbum, mas “depois de uns concertos em Paris” já havia uma “vaga de reconciliação” e o grupo “tornou-se popular”.

“O que é importante dizermos é que triunfámos do ponto de vista da música, que era o nosso objectivo”, sublinha Pedro Ayres Magalhães.

O primeiro disco acabou por ser “mais ignorado”, mas logo a seguir “o ‘Amor’ foi um êxito discográfico e de rádio”.

O tema, a par com “Paixão” e “Só Gosto de Ti”, é dos mais conhecidos da banda, que ao longo de dez anos deixou registados 50 originais agora reunidos e reeditados na caixa “Heróis do Mar 1981-1989”.

O tempo que a banda durou foi curto, mas foi “um triunfo fantástico” a muitos níveis. “Artístico, poético e de como passámos os dias na flor da nossa idade a fazermos o que queríamos. Produzimos imensos discos, dedicámo-nos à imagem, à fotografia, à poesia, à leitura e à comunicação. Era o nosso objectivo e conseguimos transcender e estabelecer uma carreira”, referiu.

Os músicos recordam com visível satisfação os muitos concertos que deram por todo o país, “uns cem por ano”, e os discos que editaram. Na memória ficou um espetáculo em São João da Madeira num 10 de junho com uma plateia de três ou quatro mil jovens, todos homens, vestidos com blusões de napa e com os capacetes das motas enfiados no braço.

“Foi um concerto em grande, com muitas luzes e a cruz de Cristo que acendia e apagava. Todos a olhar para nós a ouvir a música e sem saberem para que servia”, recordaram.

Atualmente, será “muito difícil” voltarem a juntar-se em palco. “Passaram muitos anos e as condições em Portugal têm vindo a degradar-se a olhos vistos. Para regressarmos era preciso um tipo de suporte que não encontramos”, afirmou Pedro Ayres Magalhães, referindo-se à produção de espetáculos.

“Nós os cinco não temos meios para reconstruir os Heróis do Mar e o ‘showbizz’ também não. Portanto, é altamente improvável [a reunião em palco]”, acrescentou.

Em 2011, se tivessem 18 anos, como em 1981, garantem que teriam “os mesmos argumentos, contra o domínio da sociedade portuguesa pela cultura anglo-saxónica”.

Hoje em dia, defende Rui Pregal da Cunha, “há toda uma geração [de músicos] que anda pelos mesmos caminhos, depois de um interregno nos anos 1990”, e dá como exemplos Os Golpes ou Samuel Úria.

A discografia completa dos Heróis do Mar é editada pela EMI e Pedro Ayres Magalhães garante que não ficou nem um inédito guardado.

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